Obs.: Imagem extraída de https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgzX0vIejcv2sTdfahSrX-pIA8wz05lWO8_n-WanFtNyE2plVQ-0R4-5hIg2f5RZkod7GYBCN7R2o2-21-exp1yS-xD60bybFyEggfSVJO7mL0WSgmq0MxUA0kZychfhkbottmxQEsadA/s1600/Sem+t%25C3%25ADtulohjhj.png
O ordenamento jurídico brasileiro ("as leis") proíbe os entes públicos: União, Estados, Distrito Federal e Municípios de estabelecer uma religião oficial. É PROIBIDO QUE QUALQUER PREFEITURA, GOVERNO DE ESTADO OU GOVERNO FEDERAL, por exemplo, AJUDE, DE QUALQUER FORMA, UMA IGREJA (seja a religião que for - católica, evangélica, batista, budista, etc.). Não importa o tipo de ajuda (ceder funcionários, fazer limpezas, doações, horas-máquina, patrocínios...).
Sendo assim, quem quiser ajudar, parabéns, que o faça, MAS, QUE SEJA COM RECURSOS DE SEU PRÓPRIO BOLSO. NÃO COM DINHEIRO PÚBLICO.
Afinal, vale o ditado, "é muito fácil fazer cortesia com o chapéu alheio".
Confiram-se as explicações do especialista no brilhante artigo logo abaixo.
Segundo informações do jornal O Globo, a visita do papa ao Brasil custará R$ 118 milhões para os cofres públicos [1] - o Papa Francisco I, por ser Chefe de Estado, tem direito de o Estado brasileiro lhe fornecer segurança cujos gastos aqui não se questionam. Na Assembleia do Estado do Rio de Janeiro, foi aprovada emenda da deputada Myrian Rios destinando 05 milhões de reais para divulgação e organização da JMJ. [2]
Desde que a Constituição de 1891 estabeleceu a República no Brasil, por decorrência dela foi estabelecida, sem recuos, a separação entre a Igreja e o Estado, ou seja, o Estado laico até os dias de hoje.
O jurista Daniel Sarmento (2009, p. 214), a respeito do conceito de laicismo, assim expõe
A laicidade estatal, que é adotada na maioria das democracias ocidentais contemporâneas, é um princípio que opera em duas direções. Por um lado, ela salvaguarda as diversas confissões religiosas do risco de intervenções abusivas do Estado nas suas questões internas, concernentes a aspectos como os valores e doutrinas professados, a forma de cultuá-los, a sua organização institucional, os seus processos de tomada de decisões, a forma e o critério de seleção dos seus sacerdotes e membros. (...) Mas, do outro lado, a laicidade também protege o Estado de influências indevidas provenientes da seara religiosa, impedindo todo o tipo de confusão entre o poder secular e democrático, em que estão investidas as autoridades públicas, e qualquer confissão religiosa, inclusive a majoritária. (grifou-se)
A Constituição de 1988, sobre tal assunto, assim giza:
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
(...) estabelecer cultos religiosos está em sentido amplo: criar religiões ou seitas, ou fazer igrejas ou quaisquer postos de práticas religiosas, ou propaganda. Subvencionar cultos religiosos está no sentido de concorrer, com dinheiro ou outros bens da entidade estatal, para que se exerça a atividade religiosa. Embaraçar o exercício dos cultos religiosos significa vedar, ou dificultar, limitar ou restringir a prática, psíquica ou material, de atos religiosos ou manifestações de pensamento religioso.
O Estado, no qual convivem seguidores de convicções religiosas e ideológicas diferentes ou mesmo opostas, apenas pode assegurar suas coexistências pacíficas quando ele mesmo se mantém neutro nas questões religiosas. [...] Tais dispositivos não admitem a introdução de formas jurídicas religiosas estatais e proíbem que se privilegie determinadas confissões assim como a exclusão de outros crentes [...]. Isto não se dá em razão da representatividade numérica ou da relevância social de uma crença [...]. O Estado tem que, pelo contrário, observar um tal tratamento das diferentes comunidades religiosas e ideológicas que seja orientado pelo princípio da igualdade [...] (grifou-se)
Ora, como o próprio site da JMJ diz, trata-se de evento em que se quer "(...) mostrar ao mundo o testemunho de uma fé viva, transformadora e a mostrar o rosto de Cristo em cada jovem. (...) A JMJ tem como objetivo principal dar a conhecer a todos os jovens do mundo a mensagem de Cristo, mas é verdade também que, através deles, o ‘rosto’ jovem de Cristo se mostra ao mundo." [3] É, portanto, evento nitidamente religioso.
Há quem justifique os recursos públicos destinados a esse evento católico usando o exemplo da JMJ em Madri, no ano de 2011, na qual houve um impacto econômico de aproximadamente R$ 920 milhões (cerca de 354 milhões de euros) na Espanha e que os gastos realizados por estrangeiros em Madri foram de 147 milhões de euros. [4] Entretanto, o impacto econômico, a quantidade de participantes ou os ditos benefícios espirituais não elidem a ilegalidade, nada significam frente à ínsita inconstitucionalidade se o evento é de cunho religioso. Pensar o contrário seria admitir que o gestor público condenado por improbidade administrativa por aplicação de recursos públicos com desvio de finalidade, ainda que aplicadas em favor do interesse público, pudesse ressarcir o valor ao erário e tal conduta desconstituir a improbidade, a ilegalidade. [5]
Em Brasília, o TJDFT declarou inconstitucional a Lei Distrital nº 4.876/2012, que dispõe sobre a colaboração de interesse público do Distrito Federal com entidades religiosas - a matéria legislativa já tinha sido objeto em duas outras ações diretas de inconstitucionalidade julgadas procedentes (em 2002 e 2010), cujas leis impugnadas também dispunham conceder benefícios ou custear despesas com a realização de eventos de cunho religioso. [6] Em 2012, o TJSP proibiu o município de Santa Bárbara d'Oeste de destinar recursos públicos e servidores para a "Marcha para Jesus".[7]
A opinião do senso comum (e o senso comum erudito disso não escapa) por se encontrar na cômoda posição da maioria cristã do país não tem qualquer estranhamento quanto à questão ora sob análise como também não tem com a presença de símbolos religiosos em repartições públicas - e se houvesse, em vez de um crucifixo, a figura de Baphomet (símbolo satânico), um crescente islâmico ou um orixá do candomblé? A respeito, em recente decisão unânime do Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul pela retirada de crucifixos e demais símbolos dos espaços públicos dos prédios da Justiça estadual gaúcha, o voto do relator Des. Cláudio Baldino Maciel assim sustentou: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, de acordo com o artigo 3º da Constituição de 1988, dentre outros, promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. O cidadão judeu, o muçulmano, o ateu, ou seja, o não cristão é tão brasileiro e detentor de direitos quanto os cristãos. Tem ele o mesmo direito constitucionalmente assegurado de não se sentir discriminado pela ostentação, em local estatal e por determinação do administrador público, de expressivo símbolo de uma outra religião, ainda que majoritária, que não é a sua.” [8]
Em nenhum momento se quer menosprezar a contribuição importante das religiões para o bem-estar de seus fieis ou nas atividades de cunho social que desenvolvem, apenas se quer salientar que a laicidade e mesmo a imunidade tributária de que gozam já são valores que garantem seu livre desenvolvimento e atividades.
Por tudo o que se expôs, a aplicação de recursos públicos em eventos religiosos viola a laicidade estatal e com ela a própria noção de igualdade e republicanismo de nosso regime democrático ficam vulnerabilizadas. Ou os brasileiros são todos iguais, salvo quando a desigualdade for necessária entre os desiguais, ou alguns brasileiros, por professarem uma religião majoritária, são mais iguais que outros.
REFERÊNCIAS
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 22. Ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
RIOS, R. R. Direito da antidiscriminação: discriminação direta, indireta e ações afirmativas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 5. Ed. São Paulo: Malheiros, 2008.
MAHON, Eduardo. Administração pública não pode patrocinar evento religioso, ConJur, 12 abr. 2008. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2008-abr-12/governo_nao_patrocinar_evento_religioso>. Acesso em: 11 jul. 2013.
MAZZUOLI, Valério de Oliveira; SORIANO, Aldir Guedes (Coord.). Direito à liberdade religiosa: desafios e perspectivas para o século XXI. Belo Horizonte: Fórum, 2009.
VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Laicidade Estatal tomada a sério. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1830, 5 jul. 2008. Disponível em:
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NOTAS
[1] "Visita do papa ao Brasil custará R$ 118 milhões para os cofres públicos, diz jornal", 11/05/2013, disponível em: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/05/11/visita-do-papa-ao-brasil-custarar118-milhoes-para-os-cofres-publicos.htm\ O blogueiro Paulo Lopes informa que o RJ vai fornecer aos peregrinos da JMJ (Jornada Mundial da Juventude), evento católico, passes de transporte no valor de R$ 26 milhões (http://www.paulopes.com.br/2013/04/rio-vai-bancarotransporte-de-peregrinos-catolicos.html#ixzz2YlkeXJvU); informa, ainda, que nota da Secretaria Geral da Presidência da República afirmou que "as despesas operacionais da Jornada Mundial da Juventude, tanto com o evento em si (palco, sonorização, infraestrutura do local etc.) como com os peregrinos (transporte, alimentação e hospedagem), são de responsabilidade da Igreja Católica".
[2] "Deputados do Rio liberam 05 mi para evento católico", 10/11/2011, disponível em: http://www.paulopes.com.br/2011/12/deputados-do-rio-aprovam-liberacao-de-r.html
[3] "O que é a JMJ - JMJ: Um sonho do coração de Deus", disponível em: http://www.rio2013.com/pt/a-jornada/o-queejmj
[4] "A JMJ traz consigo um ganho social e cultural para a sociedade em geral, fora o aspecto econômico", 22/04/2013, disponível em: http://tamujuntojmj.cancaonova.com/quais-os-benefícios-da-jmj-paraobrasil/ http://www.conjur.com.br/2008-abr-12/governo_nao_patrocinar_evento_religioso
[5] O Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro ajuizou ação civil pública com pedido de liminar requerendo a suspensão do processo de licitação da prefeitura do Rio, no valor de R$ 7,8 milhões, para contratação de empresas de serviços de saúde durante a JMJ. Para o MP, a licitação, decidida a menos de um mês do evento, teve o intuito de passar aos cofres públicos os custos relativos à prestação de serviços de saúde da JMJ, o quais deveriam ser custeados pela Igreja Católica. Na ação, afirma o Parquet que numa reunião fora decidido que foi decidido que o processo de contratação das prestadoras de serviços de saúde para o evento "sofreria mudanças somente quanto à forma de contratação e pagamento, pois, doravante, o Município do RJ assumiria a responsabilidade pela execução dos serviços de saúde, porém nada mudaria quanto aos escopos contratados, sendo as empresas orientadas a se inscrever no pregão, apresentando as mesmas propostas já objeto de contratação pelo Instituto JMJ" ("MP vê fraude em licitação da Jornada Mundial da Juventude", 09/07/2013, disponível em: http://economia.uol.com.br/noticias/valor-online/2013/07/09/mp-ve-fraude-em-licitacao-da-jornada-mundial-da-juventude.htm)
[6] "Lei que autoriza o DF a colaborar com eventos religiosos é inconstitucional", 12/06/2013, disponível em: http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2013/junho/lei-que-autorizaodfacolaborar-com-eventos-religiososeinconstitucional
O Conselho Especial do TJDFT, por unanimidade, julgou que a lei impugnada viola frontalmente a Lei Orgânica do DF, ao ampliar o conceito de interesse público, bem como ao possibilitar, de forma sub-reptícia, a concessão de subvenção a cultos religiosos ou igrejas pelo Poder Público, sem prévio procedimento licitatório. Segundo voto da relatora, “o enquadramento artificioso de meros ‘eventos’ religiosos como eventos artísticos ou culturais, para fins de colaboração de interesse público, para fins de repasse de recursos públicos, contraria a toda evidência os objetivos da LODF”.
[7] "TJ proíbe Prefeitura de Santa Bárbara de usar dinheiro em evento religioso", 02/07/2012, disponível em: http://g1.globo.com/sp/piracicaba-regiao/noticia/2012/07/tj-proibe-prefeitura-de-santa-barbara-de-usar-dinheiro-em-evento-religioso.html
[8] http://s.conjur.com.br/dl/voto-relator-materia-conselho.pdf O ministro do STF Celso de Mello manifestou, em um artigo, o apoio a tal decisão, disponível em: http://www.conjur.com.br/2012-mar-10/estado-laico-crucifixos-justiça-rio-grande-sul

